sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Bernardo e a chuva


A chuva, lá fora, castiga duramente a cidade.
E eu me pergunto: - Como estará você?
O vento sopra, zunindo nos corredores dos edifícios, como se fora alguém querendo meter medo. E mete, de fato, nesse menino que também vive em mim.

De repente, um forte trovão. E eu penso se você também o ouviu.
Ligo para a escola, e a secretária, sempre desarvorada, diz que tudo vai bem.
Com certeza, ela não sabe quem sou eu e nem se lembra qual deles é você.
Mas, ainda assim, diz que tudo vai bem.

Mas eu sei, no fundo do meu coração, do teu temor por tempestades. Alguém (com quem eu ainda quero acertar as contas) te fez crer que uma tormenta é um castigo imposto pelo Pai do Céu. Essa pessoa, em sua enorme ignorância, me deixou a árdua tarefa de desfazer esse nó, esse enorme mal-entendido, que é sempre mais fácil de se criar do que de se consertar.

A chuva, meu amor, é o que há de mais natural. É mais uma bela faceta da natureza.
Às vezes, pode até nos amedontrar, mas também guarda a sua beleza.
Já observaste a chuva repicando num vidro de janela? Pode-se passar horas admirando isso. É tão bonito!
E a chuva se encontrando com as águas do mar ou mesmo com as águas da tua pequena piscina? É um verdadeiro balé de gotas que sobem e descem.

Já sentiu o cheiro de terra molhada quando a chuva começa?
No futuro, quando já for grande, isso vai te remeter à tantas recordações...
Nas tardes frias e chuvosas da minha meninice, minha mãe corria à cozinha e punha-se a fritar seus “bolinhos de chuva”. O cheiro pela casa, então, era delicioso. E eu o associava, sempre, àquelas doces tardes de inverno.
Já crescido, essas lembranças nunca me abandonaram.
Do que será que você vai se lembrar daqui a 30 anos?

Em meio à tempestade, deixo os devaneios e parto ao seu encontro.
Não vejo a hora daquele portão de escola se abrir e você correr para me abraçar.
Quero te mostrar que nem a chuva e nem o vento ou qualquer tormenta (da vida ou do tempo) serão capazes de nos separar.
E, seja como for, da maneira que for, se você precisar, o seu pai sempre estará lá.


Robson Cassimiro
27/11/09

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Ultrapassagens


Hoje à tarde, liberado do trabalho, voltei pra casa dirigindo.
Não tinha pressa, não havia ninguém a minha espera.
Não há ninguém que precise tanto de mim.
Os marcadores, nas ruas, mostravam um frio incomum para a minha cidade.
Um frio inóspito, cortante, incompatível; como o frio que me invade a alma.
Os vidros do carro, embaçados, me obrigavam a usar as costas das mãos para que eu pudesse ver um pouco mais.
A chuva caía fina, e brilhava como pequenos cristais no meu pára-brisa.
No rádio, George Harrison e sua While my guitar gently weeps deixavam tudo ainda mais melancólico.
Mas eu até gosto. É bom estar sozinho às vezes. Gosto de ficar com meus sentimentos.
Sou, nessas horas, uma boa companhia para mim.
Acelero o meu carro, e ele é como uma máquina do tempo. À frente, o futuro que chega com rapidez. Dentro do carro, meu tempo presente. No retrovisor, minha história que fica para trás, uma estrada percorrida.
Diminuo a velocidade, tenho medo de derrapar nas curvas, tenho medo do desconhecido, tenho medo do que vem do outro lado da pista.
Tenho medo daquilo que chega depressa, e não temos tempo de conhecer.
O novo me assusta. A contra-mão me assusta.
No afã do novo, da sede de viver, às vezes se morre.
Menos mal quando se morre de uma vez.
O duro deve ser morrer um pouco a cada dia,
o duro deve ser morrer por muitos anos na vida.

À 100 quilômetros por hora, já não sei se falo da estrada ou do meu coração.
Não sei se falo de ir ou ficar.
Então, acelero, e ultrapasso mais um carro.
E, ao deixá-lo para trás, o carro que me segue
é como um problema em que não quero mais pensar hoje.


Robson Cassimiro
15/07/09

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Extra! Extra! Michael Jackson morreu! Em quem nós vamos bater agora?


Finzinho da tarde de quinta-feira, 25 de junho de 2009. Eu, voltando do centro da cidade, cochilando em pé no metrô, sou despertado por um grito meio desesperado:

“- Quê? O “Maicon Djekso” morreu?”

Escrevi assim, porque assim fora pronunciado.

Ao olhar para trás, vi uma figura com trajes inimagináveis até para o cantor Latino.
Um cara, vestido com roupas coloridas, com uma grande argola numa das orelhas e que, ao mesmo tempo, falava em dois celulares, gritava para todo o vagão escutar, num furo de reportagem sensacional: “- O Maicon Djekso morreu!!!”

Foi exatamente assim que eu soube, em primeira mão, da morte de Michael Jackson.

Minutos depois, meu próprio celular toca. Era minha mulher. - Sabe quem morreu? (Perguntou, mas nem deixou que eu respondesse) O Michael Jackson!!!
Esta, por sua vez, havia recebido uma ligação da minha mãe, D. Lourdes, também informando da morte do astro.

Percebi, naquele momento, que uma rede de comunicação se formara. Umas às outras, as pessoas se avisavam sobre a morte do ídolo. Algo que parecia de suma importância na vida de todos.
Era a força de um ícone que se despedia.
Era o apagar de uma estrela que brilhou por toda uma geração.

Mais tarde, já em casa, a TV e o rádio não paravam de confirmar a fatídica notícia.
Hoje pela manhã, os tablóides do mundo inteiro noticiavam e choravam a morte do artista.

Foi aí que, em meio a angústia, me bateu um pensamento:

"Peraí! Por que a imprensa está chorando tanto a morte de Michael Jackson? Será que ela gostava tanto assim dele? Claro que não, né?"

Na verdade, a imprensa não chora, ela noticia. Mas, se chorasse, estaria chorando muito hoje, porque ela perdeu seu alvo predileto de ataques.
Maus jornalistas do mundo inteiro devem estar se perguntando: “Putz! Michael Jackson morreu! Em quem nós vamos bater agora?”

Tudo bem que o cara era problemático: apanhou muito do pai na infância (até aprender aqueles passinhos geniais), teve um ratinho como melhor amigo e confidente (Ben, para o qual escreveu uma linda canção com o mesmo nome), mudou de rosto, cor e cabelo; e sofria (diziam os terapeutas) da tal síndrome de Peter Pan (onde o sujeito não admite ficar adulto).
Mas isso tudo não dava à imprensa (nem a ninguém) o direito de achincalhar tanto uma pessoa, de forma tão desrespeitosa, como faziam com Michael Jackson nos últimos anos.

Evidente que um astro de sua magnitude gera uma curiosidade geral por sua vida pessoal, mas o que faziam com ele beirava a maldade.
Figura que transparecia muita fragilidade, Jackson foi acusado e chamado de tudo que se possa imaginar. Os escândalos se sucediam. Diziam que se casou com Priscila Presley (filha do rei do rock) para esconder sua homossexualidade, que fazia intenso tratamento para ficar branco por não gostar de ser negro, que abusava sexualmente de crianças e que foi irresponsável ao mostrar o filho, ainda bebê, do alto de uma janela.

Tudo o que Michael Jackson fazia... virava notícia. Normalmente, má.
Contudo, nada do que se dizia foi provado. Ele foi, inclusive, absolvido de todas as acusações de abuso sexual, não sem antes, claro, passar pelo calvário dos tribunais e do julgamento da opinião pública.
Michael foi exposto, inúmeras vezes, ao ridículo, sem nada poder contra a força de uma imprensa maldosa e viciada em destruir a imagem de ídolos que eles mesmos constroem, assim como também fizeram com Lady Di.

Penso que, por hora, a imprensa deverá dar algum descanso à imagem do cantor, já que ele não mais vive. E não tem tanta graça ficar batendo em quem já não pode se defender.
Até que comecem a pipocar nas livrarias as biografias não autorizadas...

Além do magnífico e insuperável álbum Thriller (pra mim, o melhor disco feito no mundo), lançado em 1982, não tenho em meu acervo nenhum outro material que me credencie como um grande fã do astro.
Nunca fui tiete de carteirinha de Michael, mas respeito (e todos deveriam respeitar) o que ele fez pelo pop mundial. A figura dele foi um divisor de águas e inspiração pra muita gente que hoje vive da música, sobretudo da chamada break music.

Quem nunca tentou dar aqueles passinhos para trás, que atire a primeira pedra!
Quem não vibrava com o concurso de sósias dele no Cassino do Chacrinha? (Ih... agora entreguei minha idade!).


O legado deixado por Jackson tem valor inestimável. Sua música, sua dança e seus clipes estarão para sempre em nossos corações e mentes.

O homem, feito de emoção, carne e osso, dá um giro, abaixa o chapéu sobre os olhos, inclina os sapatos lustrados e sai de fininho, andando para frente enquanto desliza para trás.

O mito fica, esse vive para sempre.

Adeus, Michael!
Descanse em paz!

Robson Cassimiro
26/06/09

segunda-feira, 8 de junho de 2009

A vizinha do 203


Hoje estive em Botafogo.
Fui ao meu já antigo apartamento.
Minha missão era burocrática: encerrar contrato locatício e discutir por dinheiro.
Coisa chata.
O apartamento, mesmo descaracterizado pela falta de mobília, ainda me pareceu familiar. Mas, no fim, ele era apenas como uma casca vazia.
Meu filho já não cruzava a sala aos gritos e nem me abraçou quando eu abri a porta.
A vida a que me acostumei não estava mais lá.
E é a vida que preenche todos os espaços.

Nos quartos, ainda por pintar, via-se a marca deixada pelos móveis. E eu ia recolocando, mentalmente, peça por peça, cada coisa em seu lugar. Foi divertido fazer isso enquanto meu senhorio não parava de falar de tinta, sinteco e contas a pagar.

Do alto de minha janela, revi velhos conhecidos e velhos desconhecidos: a vendedora de frutas, o relojoeiro, meu vizinho taxista... todos tão presentes na minha vida que nem fazem ideia.

Na área de serviço, através dos tijolinhos perfurados, por um instante, pensei ouvir a voz da Sandra. Foi um engano ou uma dessas peças pregadas pelo subconsciente. Não era possível... Sandra mudou-se antes mesmo de mim.
Ah... Sandra! Que saudades de você!
Sandra foi, por algum tempo, minha vizinha de baixo. Mas isso é muito pouco para defini-la, já que ela foi (e continua sendo) tantas outras coisas.

Vaidosa, simpática, sagaz, inteligente, colorida, com pouco mais de um metro e meio (mas com as inseparáveis sandálias de salto que sempre lhe conferiam um pouquinho mais de estatura) Sandra foi, primeiramente, minha professora para um novo ofício. Depois passou a ser minha chefe imediata. E, entre almoços e confidências, uma amiga para todas as horas.
Um pouco mais tarde, indicou-me um apartamento neste prédio, onde ela já morava.
Tornou-se minha vizinha. A vizinha de baixo. A vizinha do 203.

Muitas vezes, devido ao som que reverbera em áreas de serviço desses antigos prédios, era possível se ouvir todo o tipo de coisa: crianças chorando, casais brigando, ovos fritando... e a Sandra cantando. Como a Sandra gostava de cantar! Nelson Gonçalves, Gonzaguinha, Raimundo Fagner...
Também a ouvia se lamentando, gargalhando e fofocando. Acho até que, uma vez, a ouvi chorando, mas nunca confirmei isso. E aceitei que pudesse ser o choro de outra pessoa.

Amiga de toda a família, Sandra sempre era alegria quando aparecia. E a noite sempre se estendia um pouco mais, mesmo que eu fosse sair cedo no outro dia.

Com as voltas que o mundo dá, depois de certo tempo, Sandra, comigo, já não trabalharia.
Volta e meia pra lá, ela me disse que do velho prédio partiria.
Volta e meia pra cá, como acabei por fazer, eu também o deixaria.

Mas quando Sandra partiu foi mais triste, porque ela levou parte de nossa alegria.
Levou pra longe o seu sorriso, ao qual ninguém resistia.
E aquele prédio não foi mais o mesmo, aquela janela fechada me dizia.
Teria sido terrível continuar ali e conviver com a falta que a Sandra fazia.

Hoje, em busca da felicidade, Sandra e eu corremos pelo mundo.
Às vezes tristes, às vezes alegres, às vezes falantes, às vezes calados...
Seguimos por caminhos diferentes, mas ainda estamos aqui.
Estamos vivos no mesmo mundo, ligados por laços que quase não se vêem.

Como formigas preocupadas com o inverno, dormimos pouco, comemos rápido e trabalhamos muito.
É preciso que sejamos ágeis, sempre de olho no relógio, já que o tempo (que passa silencioso), teima em conspirar contra nós.
Mas nós iremos conseguir, tenho certeza. Chegaremos a bom termo.

Enquanto isso...
Enquanto a luta pela vida nos dispersa pelo mundo...
Enquanto a luta pela vida nos mistura à multidão e nos faz mais um...
Num telefonema... num desses feitos quando a saudade aperta...
No meio da tarde de uma quinta-feira qualquer...
Eu vou dizer à Sandra que tenho saudades...
Que ela faz falta...
E que eu faria tudo outra vez...
Só pra ter de volta a minha vizinha do 203.


Robson Cassimiro

*Este texto é dedicado à doce amiga Sandra Lúcia Dias de Almeida.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Menino


Nesses tempos tão difíceis
Em que o coração me dói
A lembrança de um menino
De saudades me corrói

Semblante resplandecente
Olhinhos cheios de vida
Cabelos como os de um índio
O príncipe de uma avenida

Nasceu e cresceu sem pai
Pela mãe se apaixonou
Heroína das noites frias
Foi nela que se espelhou

Nada, nada era impossível
Em sua imaginação
Podia voar, salvando o mundo
Em seu mundo de ilusão

Em seu mundo de encanto
Tudo, tudo era alegria
Se a TV não tinha cor
Ele próprio a coloria

Via a vida de outro lado
Pendurado no portão
Mas nunca sentiu-se preso
Tinha imaginação

Sua mãe ia lutando
Pra lhe dar vida decente
Deu-lhe muito mais que isso
Ensinou-lhe o que é ser gente

Com os anos se passando
O portão foi-se abrindo
A vida veio-lhe entrando
Dando asas ao menino

Como quase nunca sabemos
Quando tudo chega ao fim
Não me lembro em que momento
Ele se perdeu de mim

Mas, eu sei, ele existiu...
Não fui eu que o imaginei
Continua em seu mundinho
Do qual me distanciei

Essas linhas que escrevo...
Ofereço a esse amigo
Que me inspira e emociona
Quando lembro seu sorriso

Devo a ele o que sou...
O que faço e vou fazer...
Tão pequeno e inocente
Me ensinando a viver


Robson Cassimiro