quarta-feira, 13 de abril de 2011

ÀS MÃES DE REALENGO


E, então, você tem um filho. E você, ainda sem muito jeito, o alimenta, o banha, o veste... E, à noite, olhando ele dormir, você quase não dorme. E, a cada ruído, você se põe em alerta. E, ao perceber ausência de movimentos, encosta seu rosto no dele só para verificar se ele está respirando. E checa se o travesseiro está muito alto ou muito baixo. E coloca a mão sobre ele para ver se ele sente frio ou calor. Então, com o passar do tempo, ele começa a crescer. E, aos poucos, ele passa a identificar a sua voz. Ele chora quando você se afasta e sorri quando você se aproxima. E ele fica uma graça com aqueles macacõezinhos coloridos. E você o exibe, nas ruas, como um troféu. E você gosta quando acham ele lindo. E você tira fotos, muitas fotos, de todos os ângulos. E você faz um pequeno bolo, em família, todos os meses, para comemorar cada mês de vida que ele completa. E ele começa a engatinhar pela casa. E você compra aqueles protetores de tomadas. E tira das estantes aqueles vasinhos fáceis de quebrar. E deixa de aplicar veneno para baratas embaixo dos armários. E ele começa a apontar para as coisas que quer pegar. E começa a balbuciar sílabas quase incompreensíveis. E você torce para que ele aprenda o seu nome primeiro. E quando ele, finalmente, faz isso... você tem vontade de chorar. E, de fato, chora. E você o leva ao médico ao menor sinal de resfriado. E você liga (por nada) para o pediatra, às 2h da manhã. E você o leva para tomar as vacinas. E a agulha que entra nele dói mais em você. E você tem vontade de chorar. E, de fato, chora. E ele vai crescendo. Faz 1, faz 2, faz 3 anos... E o que era só seu, passa a ser de muita gente. E você tem ciúmes dele. E ele vai para a primeira escolinha. E você se emociona com o primeiro dia de aula. E sente vontade de chorar. E, de fato, chora. Este é, depois de muito tempo, o primeiro momento em que você fica sem ele por perto. E você não sabe o que fazer com o seu tempo. E você fica vazia. E não faz nada além de esperar que o relógio marque 17h, para poder ir buscá-lo. E é bom quando aquele portão se abre e ele corre para os seus braços. Depois de certo tempo, ele começa a voltar da escola contando tudo o que fez: o que pintou, o que recortou, o que colou... E, na Páscoa, ele volta da escola com grandes orelhas de papel, bigodes feitos a lápis e a ponta do nariz pintada de vermelho. Nas mãos, uma cenoura de camurça. Que belo coelho você tem! E as pessoas sorriem na rua. No 7 de setembro, ele vem com um chapéu de barquinho e uma espadinha de papel. Na primavera, te traz uma flor de papel machê presa num palito de picolé. Ele diz coisas próprias de crianças e pronuncia palavras errado. Para ele, toda ave é galinha. E aprende que cadela é a fêmea do cão. E você explica o que é fêmea. E ele faz perguntas embaraçosas de responder. E ele vira seu melhor amigo. E vocês assistem, juntos, desenhos na TV. E ele ri do Chaves e do Pica-pau e te conta, como se fossem novidades (para ele são), episódios que você está careca de ver. E vocês comem pipoca na mesma cumbuca. E vocês vão ao shopping de mãos dadas. E ele pede todos os brinquedos que vê. E você tenta ensinar que nem todo dia é dia de se ganhar presentes. Mas tem pena, e acaba comprando um carrinho dos mais baratos. E vocês tomam sorvetes juntos e disputam para ver quem faz a careta mais feia. E um ri do outro. Mas quando ele sorri, mesmo sem ele saber, o seu mundo se ilumina. Quando ele sorri, é como se o mundo parasse. E a sua respiração fica suspensa por esse instante. E a beleza desse sorriso preenche o seu coração. À noite, quando ele, cansado, sucumbe e se entrega ao sono... você aproveita para olhá-lo melhor. E fica tentando imaginar o que provocou aquele hematoma roxo na canela. E verifica que ele está com as unhas grandes, precisando cortar. O observa esticado no sofá, como um gato que se espreguiça, e não acredita no quanto ele já cresceu. E percebe que não viu esse tempo passar. E nota como o tempo passou tão depressa. E agora ele tem amigos, professores, faz natação e joga futebol... Aos poucos, o mundo começa a abraçá-lo. E você se sente impotente, sente medo, sente ciúmes... E tem saudades daquele tempo em que ele era só seu. Mas, lá no fundo, você sempre soube que isso seria assim. E torce para que ele cresça forte e independente, mesmo que isso o afaste um pouco de você. E você o toma em seus braços e o aperta contra o peito. E aproveita para senti-lo bem perto, já que, acordado, ele já não suporta mais a sua melação de tantos beijos e abraços. E, então, ele cresce. Multiplicam-se os amigos, as festas, os ídolos... Faz 10, 11, 12, 13, 14 anos... E vocês se amam. E brigam. E discutem. E se amam, de novo. Ele agora é um “aborrecente”. Lindo, cheio de espinhas. Os hormônios são despejados, sem piedade, sobre ele. É uma fase nova, uma fase de descobertas. O seu garotinho começa a dar lugar ao jovem que se anuncia. E a vida segue seu curso natural. Então, um dia, do nada, faz-se o nada. Faz-se o tudo. Num dia, exatamente igual a todos os dias... Numa quinta-feira, exatamente igual à tantas outras quintas-feiras... Ele toma um gole de café, come meio pãozinho e sai para a escola. Ele não precisa mais de você para levá-lo. Você, ainda com sono, também começa a organizar o seu dia. E o seu dia também seria igual a tantos outros... Não fosse por uma chamada repentina no seu telefone. E você recebe a última notícia, no mundo, que gostaria de receber. E hoje é o dia 07 de abril de 2011. E você mora em Realengo. E um lunático, que não teve, na vida, 1/3 do amor que você deu ao seu filho, resolveu (em sua mente conturbada) que era hora de se vingar do mundo, que era hora de devolver ao mundo tudo aquilo que ele recebeu. Ou que não recebeu. E ele entrou na escola do seu filho, atirando. E o fato está consumado. E seu filho não é mais seu. E as autoridades dizem que o assassino era um doente, era um esquizofrênico, era um solitário, era, também, uma vítima... Mas isso não interessa a você. Isso não ameniza sua dor. Isso não traz seu filho de volta. E as horas de vigília à beira do berço? E as corridas para o médico quando de uma febre alta? E o sorriso dele abrindo o presente de Natal? O que você faz com isso? E você tem vontade de chorar. E, de fato, chora. Só em Deus se pode esperar tamanho consolo. Só no Deus de amor, no Deus imenso, onipresente, onipotente. Mas eu digo a você: Amar não é tempo perdido. Não se perde tempo amando. Você fez tudo direito, mesmo quando errou por falta ou excesso. Amar um filho não é dizer “sim” para tudo. E também não é sempre dizer “não”. Um filho se cria para o mundo. Filhos são presentes de Deus para nós. Cuidamos deles até a nossa própria morte Ou até que eles, antes de nós, criem asas e se vão. Nesse momento, força e paz! Às mães de Realengo, aquele abraço!


Robson Cassimiro 07/04/2011 “Foi o tempo que perdeste com a tua rosa que a fez tão importante” (Antoine de Saint-Exupéry)