segunda-feira, 8 de junho de 2009

A vizinha do 203


Hoje estive em Botafogo.
Fui ao meu já antigo apartamento.
Minha missão era burocrática: encerrar contrato locatício e discutir por dinheiro.
Coisa chata.
O apartamento, mesmo descaracterizado pela falta de mobília, ainda me pareceu familiar. Mas, no fim, ele era apenas como uma casca vazia.
Meu filho já não cruzava a sala aos gritos e nem me abraçou quando eu abri a porta.
A vida a que me acostumei não estava mais lá.
E é a vida que preenche todos os espaços.

Nos quartos, ainda por pintar, via-se a marca deixada pelos móveis. E eu ia recolocando, mentalmente, peça por peça, cada coisa em seu lugar. Foi divertido fazer isso enquanto meu senhorio não parava de falar de tinta, sinteco e contas a pagar.

Do alto de minha janela, revi velhos conhecidos e velhos desconhecidos: a vendedora de frutas, o relojoeiro, meu vizinho taxista... todos tão presentes na minha vida que nem fazem ideia.

Na área de serviço, através dos tijolinhos perfurados, por um instante, pensei ouvir a voz da Sandra. Foi um engano ou uma dessas peças pregadas pelo subconsciente. Não era possível... Sandra mudou-se antes mesmo de mim.
Ah... Sandra! Que saudades de você!
Sandra foi, por algum tempo, minha vizinha de baixo. Mas isso é muito pouco para defini-la, já que ela foi (e continua sendo) tantas outras coisas.

Vaidosa, simpática, sagaz, inteligente, colorida, com pouco mais de um metro e meio (mas com as inseparáveis sandálias de salto que sempre lhe conferiam um pouquinho mais de estatura) Sandra foi, primeiramente, minha professora para um novo ofício. Depois passou a ser minha chefe imediata. E, entre almoços e confidências, uma amiga para todas as horas.
Um pouco mais tarde, indicou-me um apartamento neste prédio, onde ela já morava.
Tornou-se minha vizinha. A vizinha de baixo. A vizinha do 203.

Muitas vezes, devido ao som que reverbera em áreas de serviço desses antigos prédios, era possível se ouvir todo o tipo de coisa: crianças chorando, casais brigando, ovos fritando... e a Sandra cantando. Como a Sandra gostava de cantar! Nelson Gonçalves, Gonzaguinha, Raimundo Fagner...
Também a ouvia se lamentando, gargalhando e fofocando. Acho até que, uma vez, a ouvi chorando, mas nunca confirmei isso. E aceitei que pudesse ser o choro de outra pessoa.

Amiga de toda a família, Sandra sempre era alegria quando aparecia. E a noite sempre se estendia um pouco mais, mesmo que eu fosse sair cedo no outro dia.

Com as voltas que o mundo dá, depois de certo tempo, Sandra, comigo, já não trabalharia.
Volta e meia pra lá, ela me disse que do velho prédio partiria.
Volta e meia pra cá, como acabei por fazer, eu também o deixaria.

Mas quando Sandra partiu foi mais triste, porque ela levou parte de nossa alegria.
Levou pra longe o seu sorriso, ao qual ninguém resistia.
E aquele prédio não foi mais o mesmo, aquela janela fechada me dizia.
Teria sido terrível continuar ali e conviver com a falta que a Sandra fazia.

Hoje, em busca da felicidade, Sandra e eu corremos pelo mundo.
Às vezes tristes, às vezes alegres, às vezes falantes, às vezes calados...
Seguimos por caminhos diferentes, mas ainda estamos aqui.
Estamos vivos no mesmo mundo, ligados por laços que quase não se vêem.

Como formigas preocupadas com o inverno, dormimos pouco, comemos rápido e trabalhamos muito.
É preciso que sejamos ágeis, sempre de olho no relógio, já que o tempo (que passa silencioso), teima em conspirar contra nós.
Mas nós iremos conseguir, tenho certeza. Chegaremos a bom termo.

Enquanto isso...
Enquanto a luta pela vida nos dispersa pelo mundo...
Enquanto a luta pela vida nos mistura à multidão e nos faz mais um...
Num telefonema... num desses feitos quando a saudade aperta...
No meio da tarde de uma quinta-feira qualquer...
Eu vou dizer à Sandra que tenho saudades...
Que ela faz falta...
E que eu faria tudo outra vez...
Só pra ter de volta a minha vizinha do 203.


Robson Cassimiro

*Este texto é dedicado à doce amiga Sandra Lúcia Dias de Almeida.

7 comentários:

___Psiquê___ disse...

Mais um belo texto, Robson! Parabéns! Feliz é a Sandra por ter um amigo como você! “O valor das coisas não está no tempo que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis”.

Grazielles disse...

Gente... até eu quero uma Sandra para minha vizinha. Adorei o texto. Adoro quando consigo ler um texto e visualiza-lo na minha cabeça. Consegui ver vc entrando no apartamento vazio e lembrando de como ele era... tb voltarei por aqui mais vezes.

Ana Leticia disse...

Este texto é muito bom, o final é tocante, emocionante... =)
Adoro quando você dá o ar da graça e nos brinda a vida com belos textos.
Beijos
Ana Letícia
www.mineirasuai.blogspot.com

Elaine disse...

Poxa que pena que vc mudou hein sei como é isso. Bjs
ELAINE

Anônimo disse...

Amei seu texto!!! Você consegue expressar seus sentimentos de uma forma maravilhosa, que toca também no coração de quem lê. Parabéns!!! E se encontrar com a Sandra, diga que já gosto dela mesmo sem conhecê-la. Rsrsrs. Bjs! Mônica

Cristiane Souza disse...

O melhor da vida, é saber que temos amigos verdadeiros...
Sandra deve ser muito feliz por ter ao lado alguém como você.
Belo texto!
Beijos querido.

Sandra Lúcia disse...

Como fui o feliz alvo dessa já tão conhecida e querida veia artística, fiquei sem jeito de elogiar. Realmente, não sei se chorava ou não na ocasião mencionada no texto, mas certamente fizestes lágrimas de uma saudade intensa rolagem pelo meu rosto. Saudades do companheirismo, do dia-a-dia do trabalho, das tardes e fins de noite extenuados pelo trabalho, mas gratificados pela companhia amiga, sincera e leal. Saudades do bate-papo, das trocas de filmes, das histórias mil que permeavam nossas conversas, dos amigos comuns. Somos felizardos, pois tivemos esse tempo. Outros tempos iguais ou melhores virão, pois essa amizade jamais se perderá com o vento, nem com os anos, e está gravada nos nossos corações e nos das pessoas com as quais convivemos. Uma nova etapa nos espera, mas talveza, lá na frente, elas façam uma curva na mesma direção fazendo com que nos reencontremos de novo: nós, nossas famílias... Não seria o máximo? Vale a pena desejar! Meus parabéns e toda sorte do mundoooooo! Amamos você e sua querida e linda família.