quinta-feira, 16 de julho de 2009

Ultrapassagens


Hoje à tarde, liberado do trabalho, voltei pra casa dirigindo.
Não tinha pressa, não havia ninguém a minha espera.
Não há ninguém que precise tanto de mim.
Os marcadores, nas ruas, mostravam um frio incomum para a minha cidade.
Um frio inóspito, cortante, incompatível; como o frio que me invade a alma.
Os vidros do carro, embaçados, me obrigavam a usar as costas das mãos para que eu pudesse ver um pouco mais.
A chuva caía fina, e brilhava como pequenos cristais no meu pára-brisa.
No rádio, George Harrison e sua While my guitar gently weeps deixavam tudo ainda mais melancólico.
Mas eu até gosto. É bom estar sozinho às vezes. Gosto de ficar com meus sentimentos.
Sou, nessas horas, uma boa companhia para mim.
Acelero o meu carro, e ele é como uma máquina do tempo. À frente, o futuro que chega com rapidez. Dentro do carro, meu tempo presente. No retrovisor, minha história que fica para trás, uma estrada percorrida.
Diminuo a velocidade, tenho medo de derrapar nas curvas, tenho medo do desconhecido, tenho medo do que vem do outro lado da pista.
Tenho medo daquilo que chega depressa, e não temos tempo de conhecer.
O novo me assusta. A contra-mão me assusta.
No afã do novo, da sede de viver, às vezes se morre.
Menos mal quando se morre de uma vez.
O duro deve ser morrer um pouco a cada dia,
o duro deve ser morrer por muitos anos na vida.

À 100 quilômetros por hora, já não sei se falo da estrada ou do meu coração.
Não sei se falo de ir ou ficar.
Então, acelero, e ultrapasso mais um carro.
E, ao deixá-lo para trás, o carro que me segue
é como um problema em que não quero mais pensar hoje.


Robson Cassimiro
15/07/09